Somente a partir de meados do Século XVIII foram publicados os primeiros livros sobre os ciganos europeus, e quase todos os autores reforçaram ainda mais os estereótipos negativos já existentes. Dois pioneiros dos estudos ciganos merecem ser citados: o alemão Heinrich Grellmann (1753-1804) e o inglês George Borrow (1803-1881), que até hoje costumam ser citados por muitos ciganólogos.
Grellmann é conhecido principalmente por seu livro Os Ciganos..... na Europa, um verdadeiro sucesso editorial, que foi traduzido em várias línguas. Consta que Grellmann só teve contactos esporádicos com poucos ciganos e que, inaugurou assim uma prática que tornar-se-ia comum entre os ciganólogos, até hoje.
Além disto, Grellmann costumava citar fontes jornalísticas sensacionalistas. Num capítulo sobre “Comidas e Bebidas Ciganas”, por exemplo, transcreveu a notícia de jornais de 1782 que acusava os ciganos de serem antropófagos, ou seja, canibais, comedores de carne humana. Na época, 84 ciganos foram presos como suspeitos de terem assassinado e depois comido algumas pessoas desaparecidas: 41 ciganos foram decapitados, enforcados ou esquartejados.
Em 1783, logo após a publicação do livro, que se tornou um best-seller mundial com edições em várias línguas, ficou provado que esta acusação não teve o menor fundamento e que os 41 ciganos mortos (e os outros ainda presos) tinham sido inocentes: as pessoas que supostamente tinham virado churrasco cigano, reapareceram mais vivas do que nunca.
Mas o mal já estava feito: não somente 41 ciganos já tinham sido injustamente e cruelmente executados, como também, através de Grellmann, os europeus tinham sido informados, e agora acreditavam piamente, que um dos pratos preferidos dos ciganos era carne humana.
Para Grellmann, se os ciganos vieram da Índia, só podiam ser da casta mais baixa, dos párias, dos intocáveis. Por isso, tentou ainda provar semelhanças raciais e culturais entre os ciganos e os párias indianos. Segundo ele, os párias indianos e os ciganos teriam em comum: uma pele escura e baixa estatura, nudez das crianças, moradia em tendas, preferência por roupas encarnadas, uma língua secreta, danças sensuais, endogamia. Os indivíduos de ambos os grupos eram sujos e horrorosos, medrosos e covardes, ladrões, mentirosos, e sem noção de pecado; gostavam de bebidas alcoólicas; as mulheres e moças tinham uma conduta imoral; eram indiferentes quanto à religião, etc.
Quanto à cultura: os hábitos alimentares dos ciganos não eram dos melhores, a cozinha era pouca higiénica, não tinham horários para comer e beber, e comiam gado morto por doença ou acidentes, ou carne considerada imprópria para consumo; homens e mulheres gostavam de fumar cachimbo. Usavam vestuário pobre, bem colorido, de mau gosto, principalmente as mulheres, além de muitos brincos e anéis.
As suas habitações eram primitivas, mesmo entre os sedentários; viviam em barracas, cavernas e tocas subterrâneas, como animais selvagens. Os casamentos eram precoces, entre 12 a 14 anos, não importava que fosse com parentes. Sempre casavam com membros do próprio grupo (endogamia). Tratavam bem as crianças, que eram mimadas demais; tudo lhes era perdoado, e desde cedo aprendiam a dançar e roubar, mas não frequentavam escolas.
Viajavam em bandos liderados por chefes denominados voivode, duque, conde ou rei, numa imitação ridícula de títulos “do mundo civilizado”. Não tinham religião própria, mas sempre adoptavam a religião dos países por onde passavam; baptizavam as suas crianças várias vezes para deste modo obter sempre presentes dos padrinhos, escolhidos preferencialmente entre os gadjé ricos ou poderosos.
Quanto as actividades económicas, os ciganos seriam pobres por causa de sua preguiça e seu comodismo. Desde há muito eram em muitos países conhecidos como ferreiros (mas os seus produtos não tinham qualidade) e criadores e comerciantes de cavalos (principalmente de cavalos com defeitos físicos, mas que eles com inúmeros truques escondiam, não hesitando também em roubar cavalos). Em alguns países também eram contratados como torturadores e carrascos, ou exerciam outras “profissões infames” que combinavam com seu carácter cruel. As mulheres praticavam a quiromancia, enganando os crédulos e incautos. Apesar de tudo, eram bons músicos e dançarinos. Na Waláquia e Moldávia eram ainda garimpeiros de ouro, mas produziam pouco por causa de sua preguiça.
A conclusão final de Grellmann era que entre os ciganos predominavam o ócio e a preguiça, e que se sustentavam principalmente mendigando e roubando, e para isto inventaram os mais diversos truques. Mas, acrescenta Grellmann, como os ciganos eram medrosos e covardes, evitavam roubos perigosos e o uso da violência, e normalmente só furtavam coisas pequenas. Sobre o carácter dos ciganos ele informa ainda que eles tinham uma inteligência infantil e uma alma rude e selvagem, eram guiados mais pelo instinto do que pela razão e usavam o cérebro apenas para satisfazer as suas necessidades primárias, animalescas. Eram ainda tagarelas, inconstantes, infiéis, ingratos, medrosos, submissos, cruéis, orgulhosos, superficiais, preguiçosos, sem sentimento de vergonha ou honra.
Marina Magalhães
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